Fãs de jogos de plataforma não tem do que reclamar de uns anos para cá. Tanto a cena indie, quanto a mainstream tem mostrado potencial enorme em inovar, evoluir e consagrar definitivamente este gênero tão ancestral e tão amado por (quase) todos nós. Entre Donkey Kong Country Returns, Sound Shapes, Thomas Was Alone, Rayman Origins, Kirby´s Return to Dream Land, VVVVVV, And Yet It Moves e mais um sem fim de exemplos, há ? mesmo ? algo aqui para todos os gostos. Em meio a tão prolífero e competitivo cenário, o Japan Studio da Sony, muito conhecido por pérolas como LocoRoco, Patapon e Echochrome, apresenta aquele que, dentre todos os citados nestas breves linhas, se apresenta de maneira mais explosiva, espalhafatosa e, de certa forma, encantadora. Puppeteer é uma força tarefa entre desenvolvedores ocidentais e orientais com intuito de fazer o jogador se sentir nos controles dos títeres em uma grande peça de teatro. Mesmo com um visual tão arrojado e com personagens tão carismáticos, as aventuras de Kutaro Lua afora para salvar as almas roubadas das crianças da Terra entrega o suficiente para destacá-la e torná-la relevante? Triste dizer, mas vou fazer de pronto, como que arrancando a casquinha de uma ferida: nos controles, toda simpatia encontrada em cada cantinho de Puppeteer não atingiu os mesmos níveis de sua apresentação. E, convenhamos, num jogo de plataforma, nada é mais importante que os controles. “Venham! Venham todos!”
Não há como arrancar o sorriso no rosto desde o primeiro minuto de Puppeteer. A partir do momento que as cortinas se abrem e nos sentimos efetivamente em meio a platéia de um teatro, ouvindo um narrador pomposo e trovejante, participativo e (quase) sempre engraçado, o tom grandioso da “peça” que estamos prestes a assistir nos envolve de forma quase que sem retorno. Há inclusive participação ativa da audiência, com salvas de palmas para momentos áureos dos heróis, vaias para o aparecimento dos vilões e todo tipo de reação espontânea que acontece normalmente neste tipo de espetáculo. É fascinante. Com cutscenes extensas (as vezes até demais) e muito bem produzidas, descobrimos a catástrofe eminente que vem acontecendo na Lua. Agora controlada pelo vilão da vez, o tenebroso Rei Urso, o tão amado satélite se encontra em estado de catarse, pois trata-se de um mundo tão amplo quanto este em que vivemos, mas tomado por um ódio rebelde do urso, que veio a explodir. Aprisionando sua Deusa e tomando posse de seu cargo, o urso do mal, cheio de medalhas de guerra e garras enormes (além de uma das vozes mais legais de toda vilania infantojuvenil) captura almas de crianças e as aprisionam em bonecos de madeira ? títeres ? que se tornam parte de seu exército de monstrinhos roxos pegajoso, os grubs. A história tem início quando um boneco em especial, cuja cabeça é arrancada e devorada pelo agora Rei da Lua, ó grande urso, se mostra diferente dos outros bonecos possuídos. Entrando nas premonições da excêntrica Bruxa Ezma Potts, o boneco, Kutaro, está predestinado a acabar com o reinado de tirania do urso, restaurando os poderes do Cristal da Lua para assim trazer de volta a Deusa querida por todos, recuperando seus pedaços de cada um dos generais que dominam a Lua. Com a ajuda do gato Ying Yang, uma criatura mágica e alada, além de arrogante e apática, e de cabeças que encontra pelo caminho, Kutaro parte em busca de libertar sua alma, para que esta retorne ao seu corpo de menino no Planeta Terra, e assim tudo volte a ser como era antes. A narrativa de Puppetter é um deleite de se acompanhar.
Não só pelo aspecto cênico de seu visual ? com elementos do cenário sendo tirados e colocados de cena o tempo todo e os personagens/bonecos, sendo tratados como os atores e atrizes que são ? mas também por sua dublagem poderosa, muito bem dirigida. Diria se tratar de uma das melhores que já vi, pareando grandes animações de estúdios multimilionários. Mais uma vez: impossível não se encantar com tanto charme e valores de produção artísticos altíssimos, convergindo num jogo refinado em todo e qualquer aspecto estético. Pikarina, a fadinha do Sol, que se torna a companheira de Kutaro em atos futuros (ao todo são sete, cada qual dividido com três cortinas), não passa da clássica garotinha mimada, cheia de força de vontade, mas sempre cheia de dedos. O Capitão Gaff, pirata mais Jack Sparrow desde o próprio Jack Sparrow, também afunila tudo aquilo que conhecemos, mesmo que sem saber, sobre piratas. Além dos generais, asseclas do grande urso malvado: Tigre, Cobra, Dragão, Galo e por aí vai, todos protagonizando batalhas épicas em escala e tom, algo não muito comum ao gênero. Até mesmo o próprio Kutaro, que não passa de um títere sem fala e supostamente sem personalidade, é sempre vivo e cheio de mímicas e trejeitos.
Como havia citado anteriormente, no mundo de Puppeteer, a Lua lembra muito o nosso próprio planeta, com representações de cidades mexicanas, cenários áridos do Velho Oeste (aqui chamado Wild Waste), cemitérios em clara homenagem a Nightmare Before Christmas e labirintos de vegetação viva saído diretamente de Alice Através do Espelho. São todos cheios de detalhes e profundidade e, por tratar-se de um jogo 3D com controles 2D, você vê as várias camadas de inspiração depositadas por cada canto. O navio do capitão Gaff possivelmente figura entre meus preferidos, já que a água, o céu e o fundo do mar são tão Georges Méliès que as vezes tive que segurar as lágrimas diante tantas homenagens que me dizem respeito de alguma maneira. Puppeteer é mesmo uma grande homenagem a diversas emancipações artísticas, enaltecendo o valor de estúdios como Ghibli e Disney e artistas como Lewis Carrol, Tim Burton, o próprio Méliès e o escritor Edward Gorey.
Como toda animação ou peça de teatro infantojuvenil que se preze, o aspecto musical é muito enaltecido e importante em Puppeteer. A trilha sonora orquestrada, regida pelo conceituado maestro cinematográfico Patrick Doyle, conhecido por filmes como Valente, Eragon e Harry Potter e o Cálice de Fogo, talvez seja o trabalho mais grandioso de seu criador. Não me recordo de um momento sequer onde a música não agia de maneira extremamente favorável ao evento, intensificando o jogo e tornando tudo mais excitante. O amor dedicado a Puppeteer é muito visível enquanto de todo e qualquer aspecto técnico e artístico passível de consideração. Para fazer jus a tais pontos também em seus controles, teríamos em mãos um dos grandes representantes do gênero.
Infelizmente, não é o caso. Rei Kutaro e os cavaleiros da távola redonda É tudo uma questão de antecipação, expectativa e o que é recebido no final. Quando me deparei com o trailer de lançamento de Puppeteer, foi fascínio a primeira vista: a proposta do teatro, as cores, os bonecos, a dublagem, a música… Tudo se unindo para formar algo único. Conforme revelavam mais informações sobre o jogo, a meu ver, era clara o destaque para a capacidade do boneco central trocar suas cabeças. Eram muitas cabeças, supostamente com muitos poderes e funções diferentes. Mas talvez eu tenha entendido errado. Meu erro foi esperar um novo Kid Chamaleon (lembram-se? Não? Convido a se retirar) e receber pouco mais que um LittleBigPlanet sem as funções de UGC (o conteúdo gerado por usuários). Não que isso seja algo ruim, de forma alguma. Gosto e respeito muito LBP. Mas não era isso que esperava de Puppeteer. De qualquer forma, depois de despedaçar minhas expectativas e reconstruir algo novo a partir do que realmente via diante dos olhos, não tive nada muito além de um jogo de plataforma com desafio muito, mas muito atenuado. Ultra arrojado, porém fatalmente simplório. Mas vamos por partes. As cabeças (e sua enorme variedade) encontram-se sim no jogo. Todas referentes ao cenário em que são encontradas, indo de bolos de aniversário, taikôs, árvores de natal, flamingos, ursos panda a locomotivas, joaninhas, aranhas e a lista se estenderia por muitos e muitos parágrafos. Além de servirem como vida (portanto, acumulativas, somando até três delas e passíveis de troca), acionam algo especial em pontos especiais das fases. Com uma dancinha característica para cada uma delas quando do anúncio de qual cabeça usar através de uma projeção no cenário (e nem sempre é fácil identificar qual é qual), Kutaro é levado ou para um cenário bônus (bem nos moldes da série Donkey Kong) ou invoca algo que o ajudará de alguma forma (como um caranguejo gigante numa batalha contra chefe) ou simplesmente surge uma roleta para conseguir itens bônus. Acredite, não é nada verdadeiramente especial e, particularmente, toda ideia das cabeças foi desperdiçada desta forma. Mas há sim upgrades para Kutaro. Entre um gancho de pirata para interagir com o cenário, bombas para desbravar novos caminhos, um reluzente escudo preteado de cavaleiro para refletir projéteis e uma máscara de luchador, conferindo força bruta ao boneco, há Calibrus. A tesoura enorme e dourada protegida a todo custo pelo Rei Urso, a única arma capaz de enfrentar de igual sua fúria e por fim a seu reinado de malvadezas. Exatamente como a Excalibur do saudoso Rei Arthur, Calibrus escolhe seu portator, e evidentemente que Kutaro é o escolhido. E é por conta deste instrumento tão temido por mães de crianças pequenas que há sim um quê do charme estético de Puppeteer também em seus controles. Além de pular, correr e rolar, cortar é uma das atividades preferidas de Kutaro. Sem isso, não é possível chegar muito longe. Há a óbvia função do embate, cortando grubs e libertando as almas aprisionadas dos meninos da Terra e também há o aspecto mais interessante de toda estrutura de controles de Puppeteer: é possível “voar” pelos cenários com a enorme tesoura dourada. As costuras óbvias nos tecidos que constituem o pano de fundo das cenas são trajetos certos para o menino, que navega com rapidez e facilidade por entre plataformas, quando possível. Mas há também um pouco de criação aqui: acione aquele ganhão com seu gancho e use a fumaça cênica como “escada” para locais mais altos. Kutaro picota folhas esvoaçantes, flocos de neve, gotas d’água e diversos outros objetos cenográficos para flutuar pelas fases, num mecanismo bastante simples, intuitivo e divertido. Certamente o aspecto mais criativo de Puppeteer. Pikarina também tem função vitalícia no desenvolvimento do jogo, além de funcionar também como modo cooperativo. Não é muito legal controlar a fadinha com o analógico da direita o tempo todo e ao mesmo tempo que do controle de Kutaro, esmagando o R2 compulsivamente para que ela interaja com o cenário e descubra moonsparkles secretas, títeres escondidos ou diversas outras coisas acobertadas. É bem mais legal convidar aquele seu priminho mais novo para pentelhar de forma útil. Caso tenha um Move, melhor ainda, já que a movimentação da ajudante é livre por todo cenário, ignorando obstáculos e imune a dano.
Apesar de certa simplicidade nos controles e da particular decepção inicial, Puppeteer é altamente recomendado por sua beleza estética, personagens super carismáticos e todo clima de conto-de-fada muito bem feito e tão bem evocado. É importante citar (e tive a prova real disso) o quanto o jogo consegue fazer até o mais coração gelado dos sujeitos esboçar um leve sorriso ao recordar de quando era nada além de uma criança feliz e ingênua. Puppeteer realiza tal feito com muito brilhantismo e charme. E, muitas vezes, isso é tudo que precisamos depois de um longo, longo dia.
Fonte: http://www.gamevicio.com/i/analises/2/2953-puppeteer-para-ps3/critica/gametv/index.html